Monday 6 May 2024

Importemo-nos, honestamente

Foto: Maria Vlachou

Quando participei na conferência da Balkan Museum Network, no mês passado, tive o prazer de ouvir Łukasz Bratasz, chefe do grupo de Investigação do Património Cultural do Instituto Jerzy Haber (Polónia). A sue “keynote speech” era sobre “Sustainability-conscious management of art collections”. Para alguém como eu, que conhece o básico sobre o controlo das condições ambientais em museus, foi uma palestra surpreendente e refrescante. Talvez também para os que sabem mais do que eu. Porque Łukasz partilhou connosco os resultados de estudos que mostram que os objectos são muito menos vulneráveis às variações ambientais do que se supunha anteriormente e que existem outras formas de gerir colecções de arte, com uma pegada de carbono significativamente mais leve.

Wednesday 1 May 2024

Nunca mais: como é que se vive à altura de uma missão como esta?

Imagem retirada de Vatican News (Agence France Presse)

Em 2014, num post chamado “Em círculos”, escrevia que “Aparentemente, não damos o mesmo valor a todas as vidas humanas e assim, os países europeus representados no Concelho das Nações Unidas para os Direitos Humanos podem abster-se (todos!) na votação para a abertura de um inquérito sobre alegadas violações dos direitos humanos em Gaza; aparentemente, algumas situações do género ‘nunca mais’ são justificadas, e assim os nossos governos podem continuar a apoiar e a vender armas ao governo israelita; aparentemente, cada caso é uma caso e tudo depende, portanto, existem alguns casos do género “nunca mais” em que nós cidadãos comuns podemos reservar o direito de sermos mais ‘equilibrados’ ou neutros.”

Sunday 24 March 2024

Qual a sensação de viver numa democracia em declínio?

Claudia Roth, Ministra de Estado para a Cultura alemã, na Belinale.
Foto: Andreas Rentz | Getty Images (retirada do The Guardian)

Há alguns dias, estive num encontro internacional, onde o assunto era museus e democracias em declínio. Ouvimos falar dos infortúnios dos directores de museus polacos, amplamente divulgados na imprensa internacional (exemplos desde 2017: aqui, aqui, aqui, aqui, aqui); ouvimos falar de museus na Hungria, que deveriam “interpretar para o povo as vontades do governo” ou a serem censurados por causa de um projecto de arte participativa que representava o Presidente ou, mais recentemente, a verem um director ser despedido por ignorar a lei contra a “promoção da homossexualidade”, na qual ele próprio votou quando era deputado. Também ouvimos falar da Holanda, onde a extrema-direita tem vindo a atacar há já algum tempo as narrativas dos museus e que está agora a tentar formar um governo, depois de vencer as eleições em Novembro.

Wednesday 3 January 2024

Cultura prescrita

Les Kurbas Theatre, Lviv, Ukraine, 2022. Foto: Adriano Miranda

Assistir a representações de peças antigas nos teatros gregos é uma experiência que me faz sempre pensar. Acho particularmente comovente o fluxo de pessoas que se dirigem ao teatro para assistir pela enésima vez às mesmas histórias que nos falam de amor, ódio, respeito, arrogância, sede pelo poder, guerra, justiça, vingança. Histórias escritas há muitos séculos sobre a natureza humana e tudo o que há de bom e de mau nela. Então, quando olho ao meu redor para as pessoas que enchem o teatro e, sobretudo, quando as vejo ir-se embora depois do espectáculo, muitas vezes me pergunto “E então? E agora?". Até que ponto as pessoas utilizam o “alimento” (food for thought) que lhes foi proporcionado para pensar sobre a vida contemporânea, sobre si mesmas e sobre os outros, o seu lugar no mundo e qual poderia ser a sua contribuição para um mundo melhor? Quando penso na sociedade contemporânea grega (e noutras sociedades), a forma como cuidamos (ou não cuidamos) uns dos outros, lembro-me que o poder não reside apenas na peça, mas também, e talvez até mais, no indivíduo e no que essa pessoa fará (ou não) com o que lhe foi dado.

Tuesday 26 December 2023

Desejamos o futuro (ainda)

Fachada do Teatro Nacional D. Maria II, Lisboa, 2020-2021

Dois recentes programas na RTP com foco na cultura, assim como inúmeros encontros com profissionais da área ao longo do ano e nos últimos anos, intensificam a preocupação em relação ao como este sector é entendido e gerido, que visão projecta e como a pratica.

Friday 10 November 2023

Zia and Manuela were present.

Conferência da RTCP em Portalegre, 7.11.2023

Os encontros profissionais são, cada vez mais, um momento precioso para quem consegue dar a si próprio ou consegue reclamar junto de chefias o tempo para participar. Com cada vez mais profissionais da cultura a falar abertamente de doença mental, de esgotamento, de depressão, de ritmos que não fazem sentido, estes momentos de encontro - em que podemos estar juntos, abraçar-nos, olharmo-nos nos olhos, sorrirmos, conversarmos – são mais que necessários, são urgentes.

Friday 3 November 2023

Aptos para a democracia: tão natural como a água?

Photo: Maria Vlachou

Este ano, tive a oportunidade de passar três dias no FOLIO – Festival Literário Internacional de Óbidos. Assisti, entre outras coisas, ao lançamento de “Voltas e Reviravoltas - A Cidadania”, de Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada, com ilustrações de Mantraste. Este é o segundo de 12 livros da colecção infantojuvenil “Missão: Democracia”, uma iniciativa da Assembleia da República, com curadoria da Dora Batalim SottoMayor.

Nesse evento, Isabel Alçada disse que, para os jovens hoje, a democracia é tão natural como abrir a torneira e sair água. Apontei esta afirmação no meu caderno. Criou um desconforto em mim naquele momento e, posteriormente, voltei a ela em diversas ocasiões. Porque, do ponto de vista empírico, não vejo nada disso à minha volta. Porque o oposto da repressão política não é necessariamente uma democracia de qualidade, uma democracia saudável, uma democracia tão natural como a água que sai da torneira.